Envio abaixo três artigos:
2) A Batalha do Rio, de Mauro Santayana;
3) O "bonde do Nem" e a impunidade da cartolagem tem muito em comum, de Lucio de Castro.
As duas primeiras foram produzidas depois dos recentes ataques no Rio de Janeiro, a terceira no caso do sequestro do hotel em São Conrado. A análise das três merecem atenção e devem nos levar a reflexão. O fato é que o tráfico de drogas (e armas), seja aqui, na Colômbia, no México ou na Itália, existe em acordo com o Estado, ou de quem governa.
1) a ocupação pelas UPP's não tem como objetivo acabar com o tráfico de drogas;
2) a grande possibilidade do governo do Estado do Rio ter feito um acordo com a Facção ADA (lembre-se que em 2006 o governo de São Paulo fez acordo com o PCC);
3) a maioria das UPP's estão sendo instaladas em favelas do Comando Vermelho e em áreas da cidade que estão sendo preparadas, ou são rotas de passagem, para os mega-eventos esportivos;
4) ou seja, as empresas ligadas a especulação imobiliária são as grandes benefíciárias;
5) em áreas das UPP's instalaram cursos para trabalhos precários nesses mega-eventos;
6) o governo do Estado só ataca o varejo do tráfico;
7) os principais mortos e feridos, até aqui, são trabalhadores das áres de ação da polícia (Vila Cruzeiro, Jacarezinho).
8) Outro ponto interessante foi a ação da marinha com comandantes vindos do HAITI.
Nesta terceira reportagem fica claro os acordos entre a ADA e o governo. Já o primeiro artigo fala de uma possível associação entre CV e ADA, o que acho difícil. Particularmente, acredito que como o governo Mexicano de Calderon, o governo do Estado tenha tomado lado na "guerra". Haverá no tráfico de drogas uma mudança de como faze-lo. A pergunta é, como fica o tráfico de armas? Quem efetivamente controla? Pode ter sido uma resposta do CV ao governo, que gerou um "efeito curinga", ou seja, o caos, o que o primeiro texto também fala um pouco. Mas por outro lado, isso gerou uma justificativa para fazer uma operação de guerra na Favela, lotando o Hospital Getúlio Vargas, na Penha, de trabalhadores atingidos pelas balas achadas, que só acha preto, pobre, trabalhador e morador de favela.
A mídia, como sempre, faz seu espetáculo.
No mais, é refletir
"Pois paz sem voz, paz sem voz
Não é paz, é medo!"
valeu,
Rômulo
TODO PODER AO POVO!
ABAIXO AO ESTADO E O CAPITAL!
Rio: onda de ataques já atingiu finalidade
Wálter Maierovitch 25 de novembro de 2010 às 16:45h www.cartacapital.com.br
Tendência dos ataques do crime organizado é submergir para voltar a surpreender. Por Wálter Maierovitch. Foto: AFP
Rio de Janeiro. Primeira onda de ataques do crime organizado já atingiu finalidade. Tendência é submergir para voltar a surpreender
Como se sabe, o crime organizado especial, quer pelas associações mafiosas quer pelas organizações terroristas, busca difundir o medo na população. E realiza isso por meio de ações espetaculares.
No Rio de Janeiro, as associações delinquenciais de matriz mafiosa formaram, com a união de facções e milícias, uma “confederação criminal” para agir em represália à expansão das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e resolveram exibir os músculos. Essa confederação criminal é formada pelo Comando Vermelho (CV), Amigos dos Amigos (ADA) e Milícias ( organização paramilitar).
Internacionalmente, a mais conhecida formação em “confederação criminal” (quando facções rivais se unem e promovem, nos centros de grande concentração urbana, ações contra as forças de ordem e a população) é a Camorra campana (região meridional da Campânia).
A Camorra é formada por uma miríade de facções que levam o nome dos locais onde controlam territórios e a comunidade (Casal di Principe = Camorra casalese). Esse tipo de organização não tem órgão de cúpula, de governo: são
horizontalizadas, independentes. Mas, os capi (líderes das facções independentes) se unem em confederação quando querem atacar o Estado e aterrorizar os cidadãos.
Em Nápoles, a Camorra controla os populosos bairros de Scampia e Secongiliano. Nessas ações difusoras de temor, o crime organizado procura sempre exibir um “cadáver excelente” (cadaveri eccelenti). A expressão foi usada pelo saudoso escritor siciliano Leonardo Sciascia. No Rio de Janeiro já existe um “cadáver excelente”, o crime organizado matou um jovem inocente, de 14 anos.
A tática empregada é a de guerrilha urbana, que se caracteriza por ataques surpreendentes, num espaço amplo, a abranger regiões norte, sul, leste e oeste.
A confederação criminal fluminense emprega método terrorista, mas não se confunde com as organizações terroristas, cuja ideologia não é o lucro. E a violência eversiva, como sucede com a Al-Qaeda, tem escopo político de desestabilização transnacional.
No Rio de Janeiro, por ordem de líderes não devidamente isolados em presídios de segurança máxima, as ações em curso, como destacado acima, são em represália à política de implantação de Unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs). As retomadas de territórios e do controle social pelo Estado abalaram e desfalcaram financeiramente as facções criminosas, quer do Comando Vermelho (CV), quer dos Amigos dos Amigos (ADA).
Como se sabe, ocorreram deslocamentos de várias facções para o Complexo do Alemão e para Vila Cruzeiro. Economicamente, os membros das facções instaladas no Complexo do Alemão e em Vila Cruzeiro passaram a ter a
concorrência dos migrantes.
Nenhuma organização pré-mafiosa ou mafiosa, como Comando Vermelho, Primeiro Comando de São Paulo, Amigos dos Amigos, Camorra, ‘Ndrangheta, Cosa Nostra, Sacra Corona Unita, Tríades Chinesas, Lobos Cinzas turcos etc, consegue,
dada a reação dos Estados, manter permanentes ataques.
Como regra, as organizações criminosas pré-mafiosas, logo depois de uma série de coordenados ataques espetaculares costumam submergir, mergulhar.
A prática comum é mergulhar e fingirem-se de vencidos. Isto até que o Estado saia da “prontidão” e os cidadãos voltem à rotina. Depois desse relaxamento das forças de ordem, o crime organizado sempre volta a atacar.
Salvo se as metas forem atingidas: em São Paulo, nos mais de 200 ataques do PCC ocorridos a partir de maio de 2006, houve um acordo espúrio com os órgão governamentais de segurança pública.
PANO RÁPIDO. Espera-se que o governo do Rio não negocie com a criminalidade e agilize a implantação das UPPs.
Wálter Maierovitch
Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP
A Batalha do Rio
Mauro Santayana (http://www.jblog.com.br/
É UM ENGANO identificar a batalha do Rio - de outras grandes cidades - como mero confronto entre a polícia e delinquentes, traficantes, ou nâo.Embora a conclusão posssa chocar os bons sentimentos burgueses, e excitar a ira conservadora, é melhor entender os arrastões, a queima de veículos, os ataquesa tiros contra alvos policiais, como atos de insurreição social. Durante a rebelião de Sào Paulo, o governador em exercício, Cláudio Lembo, considerado um político conservador, mais do que tocar na ferida, cravou-lhe o dedo, ao recomendar à elite branca que abrisse a bolsa e se desfizesse dos anéis.
O Brasil é dos países mais desiguais do mundo. Estamos cansados do diagnóstico estatístico, das análises acadêmicas e dos discursos demagógicos. Grande parcela das camadas dirigentes da sociedade não parece interessada em resolver o problema, ou seja, em trocar o egoísmo e o preconceito contra os pobres, pela prosperidade nacional, pela paz, em casa e nas ruas. Não conseguimos, até hoje (embora,do ponto de vista da lei, tenhamos avançado um pouco, nos últimos decénios) reconhecer a dignidade de todos os brasileiros, e promover a integração social dos marginalizados.
"Arrastões, queima de veículos, ataques a tiros contra alvos policiais são atos de insurreição social".
Os atuais estudiosos da Escola de Frankfurt propõem outra motivação para a revolução: o reconhecimento social. Enfim, trata-se da aceitação do direito de todos participarem da sociedade econômica e cultural de nosso tempo. O livro de Áxel Honneth, atual dirigente daquele grupo {A luta pelo reconhecimento. Para uma gramática moral do conflito social) tem o mérito de se concentrar sobre o maior problema ético da sociedade contemporânea. O do reconhecimento de qualquer ser humano como cidadão.
A tese não é nova, mas atualíssima. Santo Tomás de Aquino foi radical, ao afirmar que sem o mínimo de bens materiais, os homens estão dispensados do exercício da virtude.
Quem já passou fome sabe que o mais terrível dessa situação é o sentimento de raiva, de impotência, da indignidade de não conseguir prover com seus braços o alimento do próprio corpo. Quem não come, não faz parte da comunidade da vida. E ainda "há outras fomes, e outros alimentos", como dizia Drummond.
É o que ocorre com grande parte da população brasileira, sobretudo no Rio. em São Paulo, no Recife, em Salvador,enfim, em todas as grandes metrópoles. Mesmo que comam, não se sentem integrados na sociedade nacional.
Falta-lhes outro alimento. Os ricos e os integrantes da alta classe média, que os humilham, a bordo de seus automóveis e mansões, são vistos como estrangeiros, senhores de um território ocupado. Quando bandos cometem os crimes que conhecemos (e são realmente crimes contra todos), dizem com as labaredas que tremulam como flâmulas: "Ouçam e vejam, nós existimos".
As autoridades policiais atuam como forças de repressão, e não sabem atuar de outra forma, apesar do emplastro das UPPs.
Na Europa, conforme os analistas, cresce a sensação de que quem controla o Estado e a sociedade não são os políticos nem os partidos, escolhidos pelo voto, mas, sim, o mercado.
Em nosso tempo, quem diz "mercado", diz bancos, diz banqueiros, que dominam tudo, das universidades à grande parte da mídia, das indústrias aos bailes funk,! E quando fraudam seus balanços e "quebram", o povo paga: na Irlanda, além das demissões em massa, haverá a redução de 10% nas pensões e no salário mínimo - entre outras medidas - para salvar o sistema.
Quando bandos cometem os crimes é como se quisessem dizer "Ouçam e vejam, nós existimos".
A diferença entre o que ocorre no Rio e em Paris e Londres é que, lá, o comando das manifestações é compartido entre os trabalhadores e setores da classe média, bem informados e instruídos.
Aqui, os incêndios de automóveis e os ataques à polícia são realizados pelos marginalizados de tudo, até mesmo do respeito à vida. À própria vida e à vida dos outros.
23Ago de 2010
O "bonde do Nem" e a impunidade da cartolagem tem muito em comum
por Lúcio de Castro (www.espn.com.br)
“Polícia é polícia, bandido é bandido. Não devem se misturar, igual água e azeite.”
Lúcio Flávio Vilar Lírio - bandido.
Foi uma comoção na cidade. Nacional. Mundial. As notícias não eram justas com o lindo sábado carioca. O bonde do Nem foi interceptado entre o Vidigal e a Rocinha e o coro comeu. Balas zuniam pra tudo que é lado. Cabul parecia uma Disneylândia perto de São Conrado.
Virar um circo online foi questão de segundos na era digital. Natural, a notícia se impunha. Vídeos aparecem de tudo que é lado, entrevistas com vítimas, o papel patético de repórteres de colete à prova de bala falando na tv depois da guerra acabada para dar tom forte ao circo, e agora, no jornal local do Rio, ainda tem “comentarista de violência”.
Isso é bom demais! Não digo que esteja errado, de forma alguma. Mas que é engraçado quando convocado, me permitam achar. No Brasil tem comentarista de futebol, de vôlei, de basquete e de ...Violência! “Agora, o comentarista de violência, fulano...”.
E o sujeito é ferrabrás, ex-comandante do BOPE. Com o tempo vai se sofisticar, melhorar ainda mais, pincelar seus comentários com um scout, táticas, esquemas. Já imaginou quando chegar lá: “Foram 288 balas em 12 minutos de combate. Desde 2004 não existia conflito tão acirrado. Os bandidos atacaram em um 4-2-3-1, e a polícia começou num 3-5-2, passando para um 4-4-2 na metade do conflito. “ Senti falta do Amarelinho da Globo: “fulano foi colhido no tiroteio, e encontrado com o corpo crrrrivado de balas. Ás 11h já era cadáver”.
Não resisti ao desvio da razão inicial do texto, mas é que beira a comédia em alguns momentos. Ao longo do dia, o secretário de segurança deu várias entrevistas. Elogiava a polícia, seus comandados, sem parar. A valentia, a determinação e a tática, utilizada, que deu no que deu, mas ele era só elogios. O governador também. O comentarista de violência (!) estava meio pasmo sem saber como analisar tal conflito. Porque não tinha explicação, tudo bem arregado, as duas favelas sob a mesma facção, por que diabos o tal conflito?
Para quem não é do Rio, vale a explicação: Vidigal e Rocinha são favelas vizinhas, muito próximas, em área nobre. Pelo alto do morro, se encontram por uma floresta. Por baixo, é preciso pegar o asfalto. Sem trânsito, são 5 minutos entre uma e outra.
Antes, cada uma tinha uma facção de tráfico. Viviam em guerra. Sem capacidade ou vontade de acabar com aquela mina de ouro, o estado, invisivelmente, “adorou” quando todas as condições foram criadas para que uma facção dominasse a outra e os dois morros ficassem unificados na mesma sigla criminosa. Curiosamente foram expulsos os da facção que tem merecido mais UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) nas favelas que dominam, e sido varridos pra baixo do tapete para o Complexo do Alemão. A velha lógica de limpar áreas mais nobres e mandar o resto pra periferia. Como nos anos 60, aquela estratégia que já tratamos aqui, que um dia dá m...
E assim vamos levando, tudo num grande acordão. Quem está fora da lei vai para baixo do tapete e segue vivendo em paz na periferia, como vimos outro dia em vídeo, assassinos do Tim Lopes livres, ostentando metralhadoras. Outro acordão silencioso unifica Vidigal e Rocinha numa facção só, e assim todo mundo vai levando. Sem guerra, sem incomodar a zona sul da cidade, que sobe a colina para consumir drogas e garantir os milhões faturados mensalmente naquelas favelas. Será que ficam apenas ali aqueles milhões? Por que não teve UPP ali ainda?
De repente, essa paz artificial é rompida. Mil explicações, análises. E de repente, no fim do sábado, os grandes repórteres do Globo, Antonio Werneck e Vera Torres, com caixa e rodagem, anos nessa estrada, cascudos, publicam a notícia, essa sim devastadora, que enfim explicava o tal conflito no meio da paz arrumada: uma “operação não autorizada da PM, sem o aval do comando”, fez com que homens da polícia tentassem surpreender o chefão do tráfico Nem, que ia do Vidigal para a Rocinha, como faz todas as sextas-feiras, segundo relatos, saindo do baile e indo pacificamente dormir com os anjos na Rocinha. Nunca encontrou blitz, operação...Misteriosamente, dessa vez, deu-se o fuzuê. Algo aconteceu de diferente...Espetacular apuração da dupla.
Para quem não é acostumado com o linguajar jornalístico policial, “operação não autorizada da PM, sem o aval do comando” é sinônimo de mineiragem. Para quem não está acostumado com o linguajar jornalístico policial, mineiragem é extorsão de dinheiro. São vários os relatos de “operação não autorizada da PM, sem o aval do comando” em que bandidos são sequestrados pela polícia, “não oficialmente” (!), e tem que pagar um preço para não ir pro xilindró.
Um chefe de tráfico caindo nas garras de policiais que queiram mineirar vale alguns milhões. Como o tráfico é negócio de alta liquidez, prende-se aqui, extorque-se dinheiro ali, e em poucos minutos estão levantados milhões, em dinheiro puro, nota sobre nota. È o arrego, na gíria policial. Ninguém fica sabendo, o sujeito volta pro lar e pra sua atividade. E todos dormem em paz, e a sociedade fica crendo na pacificação, e etc, etc...
No fatídico sábado algo fugiu ao controle. Quando isso acontece, a sociedade fica sabendo. Só assim. Acordos inescrupulosos acontecem em diversos setores da nossa sociedade, nos mais altos inclusive, todos os dias. Não só na polícia militar, mas como em setores da justiça, das entidades de controle que a sociedade dispõe, demais policias, congresso, senado...Vez por outra a mineiração do bonde dá errado, o mensalão foge ao controle, uma ex-mulher de sócio do cartola abre o bico...
Mas no Brasil existem diversos bondes do Nem. Na maior parte das vezes, dá certo a mineiração. Por vezes, algo foge ao controle.
Temos diversos exemplos. Tragicamente, bem recentemente, um policial ia livrar a cara de um assassino mineirando o pai do cara que matou o filho da atriz Cissa Guimarães. Como fazem no bonde.
Em Brasília, o sujeito é preso com dinheiro na cueca, mineirado. Como no bonde do Nem. E agora me digam: alguém tem dúvida de que nossos cartolas e suas tenebrosas transações são monitorados e investigados em “operação não autorizada, sem o aval do comando”, e tem enriquecimento ilícito registrados e observados por Congresso, MP, PF, COAF, Ministério da Justiça, Fazenda...
Tem muita gente por aí que sabe tudo o que determinados cartolas fazem, como enriquecem, documentação...Por favor...Mas a mesma lógica que faz com que o bonde do Nem passe toda sexta entre o Vidigal e a Rocinha sem problemas, salvo em sextas em que algo foge ao script, de acordo com a espetacular apuração da dupla do Globo, faz com que cartolas sigam flanando por aí, posando de gestores e empreendedores, capazes de grandes conquistas para o Brasil e de grandes eventos. É o arrego, na gíria policial.
Salvo quando algo ou alguém foge ao script. Hoje, nossa polícia federal é extremamente competente nas investigações. Ministérios capazes de produzir refinados dossiês, como vemos toda hora. Instituições de fiscalização financeira evoluídas. Não tenha dúvidas: se nenhum dos nossos cartolas ou dirigentes de entidades do esporte é surpreendido por operação policial numa van voltando do baile, é porque realmente no Brasil corre um grande bonde do Nem. Só chega do Vidigal para a Rocinha com a cumplicidade de gente grande.
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